O INÍCIO DE UMA CARREIRA NA FLS (III)
Tendo concluído os meus estudos em Stoke-on-Trent, no verão de 1960, planeei um regresso a Portugal juntamente com um amigo e colega de curso, no carro dele, por forma a aproveitar a viagem visitando fábricas de cerâmica. Assim, decidimos escrever a empresas da Holanda (Sphinx), Alemanha e Luxemburgo (Villeroy & Boch), Suíça (Laufen), Itália (Gibertini) e Espanha (Roca), solicitando autorização para visitar as suas instalações e conhecer os seus meios de produção.
Todas as empresas foram impecáveis e convidaram-nos para as visitar quando quiséssemos. Foi uma óptima oportunidade para comparar processos de produção diferentes daqueles que estávamos acostumados a ver em Inglaterra, tudo isto em relação ao fabrico de loiça sanitária, loiça de mesa, azulejos e mosaicos, bem como tijolos e telhas. A viagem foi extraordinariamente interessante pois aprendemos muito, para além de conhecermos uma boa parte da Europa, ou seja, foram dois coelhos de uma só cajadada!
De regresso a Portugal, iniciei a minha carreira na Divisão Técnica da FLS, supervisionada na altura pelo extraordinário João de Sousa, filho de José de Sousa, o primeiro Encarregado Geral português da Fábrica de Loiça de Sacavém. O João de Sousa, que tirou o mesmo curso que eu em Stoke-on-Trent, nos anos 30, habitou toda a sua vida dentro da fábrica, pois a empresa disponibilizava meia dúzia de moradias na parte alta dos seus terrenos para os técnicos ou quadros indispensáveis a que tudo corresse bem no dia-a-dia.
Uma das razões, se não a principal, para a existência destas casas devia-se ao facto de Sacavém, na época, não ter infra-estruturas que assegurassem rápida ligação a Lisboa, ou a outras localidades - a estrada era péssima e os transportes públicos regulares, com excepção dos comboios, quase não existiam.
Quem vivia dentro dos muros da empresa eram o Encarregado Geral, o Director da Produção, o Director dos Recursos Humanos, o Chefe dos Fornos, o Chefe dos Electricistas e o Director Técnico. As casas foram construídas pelo pessoal da Secção dos Pedreiros, sendo o projecto das últimas quatro da autoria de Leonardo (Rey Colaço) Castro Freire (1917-1970), arquitecto que veio a ser distinguido com o prémio Valmor em 1970.
Para além destes aspectos, a Sacavém foi pioneira numa política social inovadora, pois o Estado, nos anos 20 e 30, pouco fazia pelos trabalhadores em termos sociais. Assim, o meu avô Herbert Gilbert (1878-1962) lançou nessa época os seguintes serviços de apoio:
● Cantina subsidiada (poucas empresas nessa altura tinham cantinas).
● Creche para as crianças do pessoal
● Subsídio de férias e férias junto ao mar para todas os trabalhadores (casas alugadas em S. Martinho do Porto, Ericeira, e outros locais)
● Médico da empresa
● Suplemento da reforma
● Aulas de ginástica para os mais novos dentro do horário de trabalho
Mais tarde, a empresa foi das primeiras em Portugal a introduzir a semana inglesa (trabalho durante cinco dias e meio, em vez de seis) e, já nos anos sessenta, a semana americana (trabalho durante cinco dias).
© Clive Gilbert
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