Caricatura de Clive Gilbert executada em 1967 por Leonel Cardoso (1898-1987).
Note-se o novo logótipo da FLS concebido por Clive Gilbert.
O INÍCIO DE UMA CARREIRA NA FLS (IV)
Para complementar os apoios sociais já referidos, existiu na fábrica, durante as décadas de 1930 e 1940, uma vacaria, pois havia a ideia de que o leite então disponível no mercado era, em grande parte, adulterado. Assim, a qualidade do leite disponível para o pessoal da empresa ficava assegurada. Junto às vacas havia uma cocheira com algumas mulas, que puxavam uns vagões sobre carris pelos arruamentos principais da fábrica. Estes vagões transportavam matérias-primas e outro material necessário em vários locais ou dependências da fábrica. O mais curioso era que, todos os dias, logo que tocava a sirene ao meio-dia para indicar a hora do almoço, as mulas recusavam-se a continuar a trabalhar e voltavam para a cocheira! Sem sequer acabarem o trabalho que tinham iniciado. Ao fim do dia acontecia exactamente a mesma coisa!
Alguns funcionários mais maliciosos comentavam que até parecia haver um sindicato das mulas na FLS! Estes comentários sibilinos estabeleciam contraponto com uma organização activa na empresa, que havia sido encorajada por Herbert Gilbert – o sindicato dos trabalhadores da indústria cerâmica, cuja primeira sede foi dentro da própria fábrica.
Continuando a referir os aspectos sociais, para além da vacaria havia uma horta, perto das moradias, que fornecia a cantina. A empresa tinha também o seu próprio corpo de bombeiros, pois os meios da corporação que nessa altura existia em Sacavém não se revelavam suficientes para acudir a um eventual incêndio industrial de grandes proporções.
Como não haviam grandes actividades fora das horas do trabalho, a empresa tinha um campo de jogos para a prática de futebol, hóquei em patins, basquetebol, atletismo, e outras modalidades. Ainda antes desta época, a empresa tinha já a sua equipa de futebol que, em 1909, jogou contra o S. L. Benfica. O resultado desse encontro foi de 1-0 a favor do Benfica.
Pouco tempo depois de eu começar a trabalhar na Sacavém, em Julho de 1960, fui convidado a candidatar-me a presidente do Grupo Desportivo da Fábrica de Loiça de Sacavém. Fui eleito (claro, aquilo só dava trabalho que não era pago!) e escolhi a minha equipe para a direcção. Qual não foi o meu espanto quando fui informado que teria de mandar a lista para a P.I.D.E., a fim de todos os membros da lista serem aprovados!
Uma das particularidades de que me apercebi quando fui acompanhar jogos da nossa equipa, que na altura participava no campeonato da F.N.A.T. (Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho, instituída em 1935), era que os jogos normalmente acabavam em pancadaria, com vários jogadores de ambas as partes a serem expulsos! Como resultado resolvemos acabar com a prática do futebol na FLS e aplicar a verba destinada a esta área (cerca de 100.000$00 escudos por época, o que na altura era um valor bastante elevado) para fins sociais. Essencialmente, garantindo empréstimos ou donativos aos trabalhadores mais carenciados. O funcionamento deste serviço foi entregue à assistente social da empresa. Tudo corria muito bem, mas ao fim de algum tempo notámos que os "clientes" eram sempre os mesmos pois aqueles que realmente precisavam de apoio tinham vergonha de o pedir…
O mais engraçado, no meio disto tudo, é que houve um caso de uma trabalhadora que tinha pedido um empréstimo e que um dia veio entregar a verba em dívida, despedindo-se da empresa na mesma altura. Viemos a saber mais tarde que ela tinha uma casa da má fama em Moscavide. Consta que, certo dia, um cliente, não tendo dinheiro para pagar o serviço prestado, lhe deu uma cautela da lotaria. Claro que já se está a ver o que veio a acontecer... A trabalhadora acabou por ganhar uma pequena fortuna!
© Clive Gilbert
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