Memórias e Arquivos da Fábrica de Loiça de Sacavém

Abril 07 2015

 

O jornal Público começou a distribuir semanalmente, a partir da passada terça-feira, 24 de Março, um conjunto de oito volumes intitulados Design Português, que pretendem dar uma visão do design em Portugal desde o início do século XX até ao presente.

 

Com a saída do terceiro volume da série, hoje ocorrida, já é possível ter uma ideia geral dos critérios editoriais da obra, coordenada por José Bártolo (n. 1972), docente da Escola Superior de Artes e Design, em Matosinhos, e apresentando diversos autores responsáveis pelo texto principal de cada um dos volumes.

 

Maria Helena Souto (n. 1956), docente do IADE, que assina o texto principal do primeiro volume, declara logo na sua introdução – "Quando se investiga na área da História do Design, uma das verificações é que não existe uma História do Design, mas antes diversas histórias do Design. Através deste estudo que agora se propõe, queremos dar a ler a nossa História do Design em Portugal de uma forma não exaustiva, mas que se espera pedagógica, suscitando algumas ideias sobre a emergência do design no país."

 

Estas palavras aplicam-se perfeitamente aos três volumes que até agora se publicaram. Estamos perante a História do Design em Portugal destes autores que, de facto, do ponto de vista iconográfico, não é exaustiva nem contempla áreas significativas da produção industrial, e dos objectos do quotidiano, que são quase completamente ignoradas.

 

Não interessa aqui efectuar uma crítica de conteúdos, nem uma crítica da selecção iconográfica. Até porque esta série passará, inquestionavelmente, a ser uma obra de referência na historiografia do design e das artes decorativas em Portugal.

 

E porque assim é, lamenta-se que não tenha existido um maior cuidado na revisão dos conteúdos. Poder-se-ia, desse modo, ter evitado que, no volume I, a obra cerâmica de Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905) seja exemplificada através de réplicas das jarras com rãs de produção recente, que a produção de Sacavém surja representada, sem qualquer contextualização evidente, por uma pobre e deteriorada tigelinha estampada, com a surpreendente indicação de ser datável de c. 1910, ou que se afirme que a capa da obra Tentações de Sam Frei Gil (1907), de António Corrêa d'Oliveira (1878-1960), não se encontra assinada, quando, de facto, apresenta as iniciais A. C., correspondentes ao consagrado pintor António Carneiro (1872-1930).

 

E também porque não interessa centrar a nossa atenção nesses pequenos deslizes, publicar-se-ão, amanhã e depois, dois artigos que pretendem exemplificar a iconografia de outras áreas que não foram contempladas nestes três volumes mas poderiam surgir noutras Histórias do Design em Portugal. 

 

   Capa com ilustração de Raul Lino (1879-1974).

 

© MAFLS

 

publicado por blogdaruanove às 21:01

Dezembro 27 2013

 

Fundada em 1825, a fábrica sueca Gustavsberg (cuja grafia original era Gustafsberg) tornou-se particularmente célebre entre as décadas de 1930 e 1960 pela sua produção modernista, pela produção de estúdio e pela série Argenta, criada por Wilhelm Kåge (1889-1960).

 

No entanto, a fábrica produzira já importantes peças decorativas no século XIX. Durante a última década desse século e as primeiras do século XX foram particularmente notáveis as criações do director artístico Josef Ekberg (1877-1945), que favoreceu a decoração de peças com a técnica de sgraffito.

 

Utilizando como base um corpo cerâmico em faiança branca, essa técnica caracteriza-se pela sobreposição de outras camadas monocromáticas (azuis e, com menor frequência, verdes), em tons claros e escuros,  que depois são trabalhadas e parcialmente retiradas para efectuar a decoração. O vidrado era preferencialmente mate, embora se tenham produzido algumas peças com vidrado brilhante.

 

 

Seguiu-se um período em que a decoração insistia particularmente no dourado para complementar o próprio formato das peças, mas na década de 1930, quando Wilhelm Kåge já era director artístico, a fábrica passou a favorecer a técnica da série Argenta, desenvolvida pelo próprio Kåge.

 

Esta técnica caracteriza-se pela utilização de uma  base de vidrado mate, preferencialmente verde de cobre mas também vermelho sangue de boi, a que se sobrepõe a decoração efectuada através de uma fina camada de prata.

 

A empresa Gustavsberg acabou por ser adquirida em 2000 pela companhia alemã Villeroy & Boch (fundada em 1748), que mantém aquela marca.

 

 

A primeira peça apresentada, com cerca de 20,4 cm. de altura, é uma jarra trabalhada com a técnica de sgraffito, ostentando um motivo de bagas e folhagem muito característico do gosto Art Nouveau. Assinada por Josef Ekberg, está datada de 1909.

 

A segunda, também assinada por Ekberg mas datada de 1919 e com cerca de 29,6 cm. de altura, apresenta um esgrafitado que evoca as rosas e flores estilizadas desenvolvidas por C. R. Mackintosh (1868-1928) numa específica e consagrada variante escocesa do estilo Art Nouveau.

 

 

A terceira peça, uma taça assinada já por Wilhelm Kåge, datada de 1928 e com cerca de 10 cm. de altura e 22,5 cm. de diâmetro máximo, apresenta uma decoração de estilo Art Déco, mais geometrizante e feérica, com predominância de dourados que não seriam posteriormente a imagem de marca das cerâmicas desenvolvidas por Kåge.

 

A quarta peça, também uma taça com cerca de 10,3 cm. de altura e 22 cm. de diâmetro máximo, utiliza mais sobriamente os dourados, procurando fazer ressaltar as formas geométricas e escultóricas da sua modelação. Assinada ainda por Ekberg, num período mais tardio das suas criações, quando este já era sexagenário, está datada de 1938.

 

                         

 

A última peça, uma pequena taça da série Argenta concebida por Kåge, com cerca de 8 cm. de altura e 8,8 cm. de diâmetro máximo, é já de uma fase intermédia desta linha, sendo datável da década de 1940 ou 1950.

 

               

 

© MAFLS

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Fevereiro 25 2012

 

Chávena de café e pires formato Porto, da Sociedade de Porcelanas de Coimbra, com filetagem dourada e decoração geométrica esmaltada sobre o vidrado. Ambas as peças apresentam a marca SP1.

 

O motivo geométrico triangular aplicado nesta decoração é claramente evocativo de uma famosa litografia construtivista de El Lissitzky (1890-1941), editada em 1919 e reproduzida abaixo, denominada Derrotar os Brancos com a Cunha Vermelha, título que alude ao confronto entre bolcheviques (vermelhos) e mencheviques na URSS.

 

A evocação é ainda mais evidente quando se sabe que esta decoração também foi comercializada pela SP em vermelho (cf. http://modernaumaoutranemtanto.blogspot.com/2012/01/servico-de-cafe-modelo-cubico-porcelana.html#links), embora neste caso se tratem de chávenas e pires octogonais do formato Cúbico, onde o valor simbólico da intersecção do círculo pelo triângulo está diluído.

 

Este exemplar foi exibido na exposição Portuguese Ceramics in the Art Deco Period, realizada nos EUA em 2005, conjuntamente com um bule, uma leiteira, um açucareiro e uma chávena de chá com pires (respectivamente, números 45 e 48 a 51 do catálogo) do mesmo formato e com a mesma decoração, embora as asas destes últimos estejam apenas decoradas com uma filetagem a ouro.

 

 

Conforme já foi referido anteriormente (cf. http://mfls.blogs.sapo.pt/143462.html), aquela que mais tarde ficou a ser a Sociedade de Porcelanas de Coimbra denominava-se Porcelana de Coimbra quando se constituíu como sociedade anónima de responsabilidade limitada, em 13 de Maio de 1922.

 

A designação Sociedade de Porcelanas, Limitada, foi instituída a 31 de Agosto de 1926, num período em que a situação empresarial e financeira da Porcelana de Coimbra (PC) era já preocupante e a SP lhe sucedeu, com a fábrica na Arregaça.

 

Com efeito, a PC acabou por ser dissolvida em 8 de Julho de 1929, tendo entrado em imediata liquidação, para a qual foram nomeados "com os mais amplos poderes" Faustino Corrito e José Cordeiro Guerra, poderes que incluíam os "de venda ou alienação de bens móveis e imóveis da sociedade particularmente, sem dependência de hasta pública".

 

O activo desta sociedade veio a ser colocado em praça a 17 de Julho desse ano. Ainda a 25 de Outubro de 1929, na sequência deste processo, foi contraído pela SP um empréstimo junto da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, garantido com hipoteca e penhor mercantil dos antigos bens da Porcelana de Coimbra.

 

Este empréstimo encontrava-se ainda por liquidar a 28 de Junho de 1935, data em que foi substituído o pacto social da SP. A 15 e 27 desse mês havia-se registado a primeira intervenção da Empresa Electro-Cerâmica (EEC), do Candal, e da Vista Alegre, de Ílhavo, no capital social da SP, que era então de 10.000$00 e passou a estar equitativamente dividido por estas duas empresas.

 

Um dos responsáveis pela VA, João Teodoro Ferreira Pinto Basto (1870-1953), na sua obra A Cerâmica Portuguesa (1935), que reproduz um discurso proferido em 20 de Dezembro de 1934, refere o seguinte sobre a SP:

 

"6.º Centro – Coimbra – Porcelana – Sociedade de Porcelanas. Produz loiça domestica e artigos electricos. Começou a sua laboração há cerca de 12 anos. Emprega caolino da sua concessão de S. Vicente em Ovar e tem aperfeiçoado principalmente o fabrico de loiça domestica de uso corrente."

 

Conforme também já foi anteriormente referido, a aposta da VA na SP consolidou-se em 1945.

 

 

© MAFLS

publicado por blogdaruanove às 21:01

Outubro 23 2010

 

Pratos decorativos em porcelana da Electro-Cerâmica do Candal, com estampagem policromada, esmalte aerografado, nos rebordos, e retoques e filetagem a dourado, sobre o vidrado.

 

No prato reproduzido acima apresenta-se a imagem de uma truta-salmonada (Salmo trutta L.) e no reproduzido abaixo a imagem de uma variante de barbo (Barbus barbus L.), ambos peixes comuns nas águas fluviais portuguesas (cf. http://www.cartapiscicola.org/).

 

Embora, à primeira vista, esta decoração pareça não ter qualquer influência oriental, note-se como os remates dourados dos rebordos fazem lembrar duas folhas sobrepostas de ginkgo (Ginkgo biloba L.), árvore sagrada para os budistas e conotada no ocidente com a China e o Japão, e a representação dos peixes em grande plano evoca o tratamento gráfico das xilogravuras japonesas.

 

Prato estampado da série Aquarium, desenhada no final do século XIX por William S. Coleman (datas desconhecidas) para a fábrica inglesa Mintons.

 

A Empresa Electro-Cerâmica foi fundada no Candal, Vila Nova de Gaia, por escritura de 28 de Março de 1919, com o capital social de 599.940$00.

 

A 9 de Junho de 1921 esse capital foi aumentado para 3.600.000$00, ficando assim distribuído: Joaquim Pereira Ramos, 496.870$00; Pinto da Fonseca & Irmão, 300.060$00; Joaquim Pinto Leite, Filho & C.ª, 300.060$00; Dr. José Pereira Caldas, 287.370$00; Banco Comercial do Porto, 135.720$00; Banco Aliança, 54.000$00; Alfredo Pinto de Castro e Silva, 18.000$00; Calisto Bueri, 5.400$00; e Dr. Manuel José Coelho, 2.520$00 (Note-se que apesar de o  Diário do Governo indicar o capital de 3.600.000$00, a soma das parcelas totaliza apenas 1.600.000$00).

 

A 27 de Outubro de 1932 foi reduzido para 90.000$00, ficando distribuído por 100.000 acções no valor nominal de 90 centavos. A 23 de Agosto de 1935 a empresa alterou novamente os seus estatutos, mantendo o valor do capital social, embora a administração tenha sido autorizada a aumentá-lo para 900.000$00, quando considerado oportuno.

 

 

A 27 de Janeiro de 1945 a empresa aumentou o seu capital de 900.000$00 para 5.000.000$00, um aumento de 4.100.000$00 que ficou assim distribuído: António Coimbra e Irmão, 20.250$00; Fernando Henrique Braga Vareta, 4.050$00; Luiz Alves de Carvalho, 40.500$00; Álvaro Fernandes Ferreira, 2.070$00; Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, 810$00; Amadeu Martins Pinto, 450$00; António Dias de Carvalho, 8.100$00; Óscar Guisado, 1.260$00; Pacheco, Filhos, Limitada, 94.230$00; José de Vilas Boas, 221.400$00; Moses Amzalak, 30.330$00; e Fábrica de Porcelanas da Vista Alegre, Limitada, 3.676.550$00.

 

A 9 de Abril do mesmo ano, a empresa, já controlada pela Vista Alegre, adquiriu 50% do capital da Sociedade de Porcelanas, Limitada, de Coimbra. Os restantes 50% do capital social da SP, que passou a totalizar 1.000.000$00, foram adquiridos pela VA. Conforme se constata em nova publicação no Diário do Governo, este processo apenas se concluíu a 17 de Junho de 1945.

 

Desta série de pratos conhece-se ainda um outro exemplar apresentando uma imagem de um lavagante europeu (Homarus gammarus, antes genericamente classificado como Cancer gammarus L.), que não se reproduz devido ao seu extremo mau estado.

 

 

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publicado por blogdaruanove às 13:09

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