Com a publicação deste terceiro volume, parece confirmar-se que a predominância de ilustrações alusivas às artes gráficas, aqui representando cerca de dois terços das imagens totais, configura uma opção da coordenação editorial e não dos diversos autores do texto principal de cada volume.
Continua a ser surpreendente o contraste entre a diversidade dos temas abordados nos textos principais, regra que a autora também segue neste volume, e as obsessivas opções pela arte gráfica que os acompanham. Infelizmente, continua a ser evidente, também, a ausência de uma revisão atenta e unificadora das afirmações patentes nos artigos de diferentes autores.
Só assim se compreende como é possível que, no mesmo volume, José Bártolo e Maria João Baltazar afirmem que a Secla foi fundada em 1947, enquanto Rita Gomes Ferrão nos assegura que a empresa surgiu em 1944. Quem acompanha este blog sabe bem qual destes três autores é o grande especialista na Secla e em qual destas duas datas deve confiar.
Mas, à puridade, à puridade, sublinhe-se que embora esta tenha as suas origens em 1944, a escritura pública da constituição legal de uma empresa sob a designação Secla apenas foi estabelecida em 18 de Dezembro de 1946 (http://mfls.blogs.sapo.pt/60571.html).
No artigo anterior referiram-se os sinetes como pequenos objectos do quotidiano que, na sua singeleza, poderiam traduzir também l'air du temps. E assim é, embora a sua origem remonte a uma tradição secular, bem anterior ao século XX. Mas é indubitavelmente através de alguns deles que podemos testemunhar uma mudança patente nas décadas de 1930 e 1940.
Com efeito, é nestas duas décadas que os tradicionais materiais nobres empregados na sua constituição, como a madrepérola, a prata, e o marfim, começam a ceder lugar ao bronze e a metais cromados, e a novos e sedutores materiais sintéticos, como a baquelite e o plástico.
Acima podem ver-se alguns exemplares com acabamento em prata de punção portuguesa, e punhos em madrepérola ou marfim, mas também dois exemplares com punho em baquelite e um outro com punho em plástico verde e preto.
A iconografia religiosa não ficou imune a estes materiais inovadores, como se pode constatar abaixo, surgindo nestas décadas diversas imagens em plástico ou baquelite, muitas vezes combinadas com o alumínio que, numa versão popular, veio substituir a prata nos produtos de menor custo.
Datam também deste período as famosas figuras religiosas em plástico fosforescente, de que as esculturas evocativas de Nossa Senhora do Rosário de Fátima se tornaram paradigma incontornável, em Portugal.
Foi ainda no pós-guerra que a indústria de moldes para plástico, intimamente associada à tradição de moldes para vidro, teve particular expansão na área de Leiria e da Marinha Grande, permitindo aproximações inovadoras à prática do design nacional (http://mfls.blogs.sapo.pt/34301.html).
Um outro material que se popularizou neste período, particularmente nos brinquedos, embora já viesse a ser largamente utilizado desde o século XIX noutras áreas, como a dos enlatados, foi a folha de flandres.
Esta chapa metálica estanhada, frequentemente revestida a tinta de esmalte, pode-se combinar em diferentes secções para constituir modelos mais complexos, com movimento de corda, como o exemplar que se apresenta abaixo, o qual pretende ser uma réplica relativamente fidedigna de uma automotora da CP (http://www.transportes-xxi.net/tferroviario/automotoras).
Exemplar em folha de flandres litografada, com logótipo da casa Coelho de Sousa. Porto, década de 1950.
No entanto, a ausência iconográfica mais notória nestes três volumes prende-se com o design da indústria vidreira.
Perante a magnífica fotografia, reproduzida no volume II, do stand que a Companhia Industrial Portuguesa apresentou na V Exposição Industrial e Agrícola das Caldas da Rainha, realizada em 1927, parece inacreditável que nestes volumes não se tenha dedicado maior espaço à arte do vidro e da cristalaria, que no nosso país conta já com cerca de 300 anos de constante produção industrial.
Não interessará aqui resumir a história das dezenas de empresas que, desde 1719, ano em que se fundou a Real Fábrica de Vidros de Coina, até ao presente, contribuíram e têm contribuído para criar um notável património português na história da indústria vidreira e no nosso quotidiano.
Muitos dos diversos aspectos do design e da indústria vidreira nacional do século XX foram já anteriormente referidos e documentados, embora traduzindo as limitações da fotografia não profissional e as dificuldades inerentes à especificidade do registo de imagem do vidro, quer num outro espaço (http://blogdaruanove.blogs.sapo.pt/?skip=10&tag=vidro) quer aqui mesmo (http://mfls.blogs.sapo.pt/tag/vidro), pelo que agora apenas se reproduzirão três significativas peças da produção nacional com diferentes técnicas decorativas.
Acima apresentam-se dois pequenos copos evocativos da secular tradição de decoração a esmalte, que em Portugal remonta ao século XVIII e aos famosos copos de saudação ao rei D. João V (1689-1750; rei, 1707-1750), promotor e protector da indústria vidreira.
Estas duas peças, contudo, são datáveis de 1929, foram fabricadas pela Companhia Industrial Portuguesa e ostentam a decoração que o consagrado arquitecto e designer Raul Lino (1879-1974) concebeu para que exemplares semelhantes, bem como garrafas licoreiras ostentando os mesmos motivos, fossem exibidos durante aquele ano no pavilhão português da Exposição Internacional de Sevilha (http://blogdaruanove.blogs.sapo.pt/tag/sevilha+1929).
Abaixo ilustra-se uma grande jarra, com cerca de 42 cm. de altura, elaborada em vidro doublé, com camada exterior de tonalidade ametista, lapidado e gravado a ácido e à roda.
Paradigma maior da arte vidreira portuguesa do segundo quartel do século XX, ostenta na sua secção central a representação de um campino conduzindo toiros numa lezíria, através de uma composição atribuível a Jorge Barradas (1894-1971).
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