Júlio Pomar (10 de Janeiro de 1926 - 22 de Maio de 2018), in memoriam.
© MAFLS
Júlio Pomar (10 de Janeiro de 1926 - 22 de Maio de 2018), in memoriam.
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Até ao próximo domingo, dia 4 de Setembro de 2016, poderá ainda visitar a exposição "Decorativo, Apenas?" – Júlio Pomar e a Integração das Artes, patente no Atelier-Museu Júlio Pomar, em Lisboa.
Num espaço amplo e luminoso, concebido pelo arquitecto Álvaro Siza Vieira (n. 1933), podem encontrar-se peças do acervo do Atelier-Museu, de outras instituições similares e de coleccionadores privados, que ilustram a criação do artista nos mais diversos suportes, desde a cerâmica, ou o vidro, até ao alumínio, ou a tapeçaria, e nas mais diversas técnicas, como a gravura sobre papel ou o óleo sobre tela.
Com curadoria de Catarina Rosendo (n. 1972), este conjunto expositivo propõe-nos também retomar, a partir de uma interrogação do próprio artista, a problemática da menorização, teórica e crítica, das chamadas artes decorativas, questionando ainda a validade desta adjectivação.
Considerando as posições que já haviam sido assumidas, no século XIX, pelos artistas do movimento Arts & Crafts e que Raul Lino (1879-1974) retomaria em Portugal no princípio do século XX, esta proposta não deixa de nos levar a reflectir sobre o eventual paradoxo que surge na produção cerâmica de Júlio Pomar durante a década de 1950.
De facto, numa época em que esteve profundamente ligado ao Neo-Realismo, com os seus paradigmas da arte para o povo, próxima do povo e que do povo emanava, Pomar não executou nem promoveu a criação de múltiplos cerâmicos, como a artista húngara Hansi Staël (1913-1961) condescendeu em criar para a Secla, das Caldas da Rainha (http://mfls.blogs.sapo.pt/tag/hansi+sta%C3%ABl), insistindo na realização de peças únicas, fosse na Cerâmica Bombarralense ou na Secla, fosse ainda nas outras fábricas onde desenvolveu os seus painéis azulejares.
O conjunto exposto evoca, na subtileza ou no explícito de uma ou outra imagem, as diversas influências de Pomar nas décadas de 1940 e 1950, que parecem remeter claramente para obras de artistas tão diversos como Pablo Picasso (1881-1973), Jean Lurçat (1892-1966) ou Cândido Portinari (1903-1962).
Enquanto princípio de conservação e valorização de acervos cerâmicos, aproveite-se também a oportunidade para comprovar que certas peças danificadas, como a que ilustra o cartaz da exposição e as duas aqui reproduzidas, não se limitam a ter apenas um mero valor histórico ou documental.
Veja-se ainda um prato de Pomar, datado de 1951, provavelmente executado na Cerâmica Bombarralense e que não se encontra no Atelier-Museu, aqui: http://mfls.blogs.sapo.pt/148664.html.
A propósito deste exemplar, e apesar do exíguo espaço temporal disponível para a sua hipotética execução nesse ano, note-se que a exposição de Pomar realizada entre 10 e 20 de Janeiro de 1951, na Livraria Portugália, Porto, exibiu uma peça cerâmica, sob o número 73 e ao preço de 350$00, intitulada "Uma sereia".
Como nota de interesse bibliográfico e documental, refira-se a edição de um catálogo do evento, o qual deverá estar disponível ainda este mês, ou no próximo mês de Outubro, e onde se corrigirá certamente o deslize de não haver indicação das dimensões das peças.
Diga-se, contudo, que parece perpassar sobre este luminoso espaço e esta belíssima exposição a sombra de ter passado largamente despercebida... Aproveitem-se, pois, os dois dias que ainda restam e a entrada gratuita.
O Atelier-Museu está aberto entre as 10H00 e as 18h00.
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Jarra em faiança da Cerâmica Bombarralense, Limitada, com cerca de 28,7 cm. de altura, pintada à mão sob o vidrado e apresentando impresso na pasta o número 220 que, como já foi referido, corresponderá ao seu formato.
Este exemplar vem confirmar uma tendência decorativa da empresa que, durante o seu curto período de apenas dez anos de laboração, parece ter privilegiado em algumas das jarras a utilização exclusiva do azul e do amarelo, conforme aqui se tinha observado anteriormente (http://mfls.blogs.sapo.pt/149743.html).
Já na loiça de mesa, também pintada à mão, conhecem-se diversas combinações cromáticas, particularmente nos pratos, onde surgem tonalidades de verde ou de castanho, o sangue-de-boi e o bordeaux.
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Grande prato de parede, medindo cerca de 29 cm. de diâmetro, com decoração pintada à mão e alguns contornos acentuados a sgraffito.
Conforme já foi referido anteriormente, nesta técnica, a pasta, depois de pintada, é riscada ou raspada para expôr a(s) camada(s) inferior(es) e conferir relevo ao trabalho final.
Esta peça encontra-se assinada e datada, na frente, a sgraffito, J P 51, apresentando ainda assinatura e data manuscrita a tinta preta, no verso.
Embora estilisticamente o traço também recorde a obra de Alice Jorge (1924-2008) e de Cipriano Dourado (1921-1981), é muito provável, tal como as iniciais sugerem, que este prato seja do início da fase cerâmica do consagrado pintor Júlio Pomar (n. 1926; http://www.cam.gulbenkian.pt/index.php?article=59984&visual=2&langId=1&ngs=1&back=P).
Durante os anos de 1955 a 1957 Pomar executou diversos trabalhos, em diferentes formatos e com diferentes técnicas, na fábrica Secla, das Caldas da Rainha, depois de eventualmente ter também produzido algumas peças na já aqui mencionada Cerâmica Bombarralense (1944-1954; cf. http://mfls.blogs.sapo.pt/149743.html).
É possível que este exemplar tenha sido executado nesta última fábrica, apesar de a sua pasta branca ser distinta da pasta (amarelada ou alaranjada) usada na maioria dos trabalhos da Cerâmica Bombarralense. Conhecem-se, contudo, muitos pratos desta fábrica executados em pasta branca.
As iniciais esgrafitadas nesta peça são estilisticamente muito semelhantes às iniciais esgrafitadas num prato da Secla, realizado por Pomar em 1956, o qual se encontra reproduzido no catálogo da exposição Estúdio Secla: Uma renovação na cerâmica portuguesa, realizada em 1999 no Museu Nacional do Azulejo.
Uma peça de Júlio Pomar que, estilistica e tecnicamente, se assemelha ainda mais a esta, o prato "A simples espinha sugere...", também datado de 1951 e assinado com iniciais muito semelhantes, integra o acervo do Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira (http://www3.cm-vfxira.pt/PageGen.aspx?WMCM_PaginaId=30542#.UOmsBOSIGSo).
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Jarra em faiança da Cerâmica Bombarralense, Limitada, com cerca de 26,6 cm. de altura, pintada à mão sob o vidrado. O número manuscrito 136, que se encontra também impresso na pasta, parece corresponder ao formato e não ao motivo.
Estabelecida por escritura de 18 de Fevereiro 1944, que declara estar a C. B. L. "destinada ao fabrico de louça doméstica, artística e azulejos", tinha como seu capital inicial a quantia de 60.000$00.
De acordo com o Diário do Governo, de onde se retiraram as informações anteriores, o capital social da empresa estava distribuído por três parcelas de 20.000$00, em nome de José Luiz de Barros, Joaquim Amador Maurício e Jorge de Almeida Monteiro.
O grande dinamizador da fábrica foi este último, que exercia as funções de director técnico, e embora a produção se centrasse em modelos que evocavam gramáticas decorativas de outros séculos, como esta jarra ilustra, e insistisse num azul reminiscente daquele que se aplicava em Alcobaça, há notícia de a Cerâmica Bombarralense ter conseguido estabelecer durante algum tempo um núcleo experimental de cerâmica contemporânea, onde alguns ceramistas, escultores e pintores poderão ter criado, pontualmente, algumas peças.
Nesse período, Jorge de Almeida Monteiro terá recebido na empresa a visita de diversos artistas plásticos que então iniciavam a sua carreira, e haveriam de se consagrar posteriormente, como os pintores e gravadores Júlio Pomar (n. 1926; cf. http://www.cam.gulbenkian.pt/index.php?article=59984&visual=2&langId=1&ngs=1&back=P) e Alice Jorge (1924-2008; cf. http://pt.wikipedia.org/wiki/Alice_Jorge), e escultores e ceramistas com obra já reconhecida, como Maria Barreira (1914-2010) e seu marido, o bombarralense Vasco Pereira da Conceição (1914-1992; cf. http://vlapy.no.comunidades.net/index.php.).
Entre a sua fundação e cerca de 1948, e ainda no princípio da década seguinte, a Cerâmica Bombarralense contou também com o contributo do então jovem aprendiz Ferreira da Silva (n. 1928; cf. http://www.cidadeimaginaria.org/cer/FerreiradaSilva.pdf e http://mfls.blogs.sapo.pt/tag/ferreira+da+silva).
Segundo João B. Serra (http://www.cidadeimaginaria.org/cer/hcer.htm), a empresa acabou por encerrar em 1954, na sequência de um incêndio.
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