Jerónimo de Sousa (n. 1947), hoje secretário-geral do Partido, foi o segundo deputado do PCP (http://www.pcp.pt/), a abordar a questão da FLS na reunião plenária de 15 de Abril de 1982, fazendo as seguintes declarações:
"Sr. Presidente, Srs. Deputados: No distrito de Lisboa, para além de outros casos existentes, as lutas dos trabalhadores da Fábrica de Loiça de Sacavém e do Hotel Baía comprovam, no concreto, a justeza da análise feita na declaração política produzida pela minha camarada Zita Seabra.
Num e noutro caso, para além da conduta repressiva do patronato, o governo AD surge a assumir o papel de protector e procurador dos interesses do patronato e das administrações, mesmo que a legalidade democrática seja sistematicamente violada por estes.
Na Fábrica de Loiça de Sacavém, empresa com 1200 trabalhadores, um administrador tem vindo a usar processos repressivos que só têm semelhança nos períodos mais violentos da ditadura fascista. Despediu de forma sumária 4 dirigentes sindicais, levantou mais de 60 processos disciplinares durante os últimos três meses, suspendeu membros da comissão de trabalhadores e delegados sindicais por via telefónica, não reconhece à CT o crédito de horas expresso na Lei n.º 46/79, viola as suas instalações e cria um clima de intimidação geral através de comunicações internas escritas em linguagem fascizante.
Perante este rol de ilegalidades, poderia pensar-se que tal conduta assenta no ódio revanchista de um qualquer fascista da velha guarda. Mas não. As razões são mais fundas. A administração da Fábrica de Loiça, com destaque para o seu máximo responsável, pretende destruir a empresa a médio prazo, atirar 1200 trabalhadores para o desemprego e criar uma nova empresa à custa da Loiça de Sacavém e dos dinheiros públicos.
A Inspecção-Geral de Finanças, após um inquérito realizado a pedido de um accionista, reconhece que a administração da empresa tem praticado actos fraudulentos, tais como contabilização da compra de terrenos por valores vinte vezes superiores aos registados na respectiva escritura pública, contabilização de recibos falsos e irregularidades diversas em matéria fiscal, nomeadamente na área dos impostos profissional, de capitais, de mais-valias e da sisa.
Mas a administração da Fábrica de Loiça de Sacavém vai mais além. Foi criada uma nova empresa para actuar no mesmo sector de actividade, a SANICER, cujos accionistas são precisamente os accionistas maioritários da Fábrica de Loiça de Sacavém. A criação e o lançamento da SANICER têm sido feitos à custa da descapitalização da Loiça de Sacavém, como se exemplifica com a venda de terrenos à SANICER por 75$ o m2, que haviam custado à Fábrica de Loiça em 1978 210$ o m2.
O Ministério das Finanças fica-se pelo inquérito, não se importando que os interesses de 1200 trabalhadores, dos pequenos accionistas, nem que o Estado seja credor de cerca de 200 000 contos.
E o Ministério do Trabalho? O que fez para repor a legalidade? Nada! O governo AD, no seu estilo habitual, encontra a solução pelo recurso à violência contra os trabalhadores. Manda o MAI entrar em cena, mobiliza 300 elementos da GNR, alguns vindos de Santarém e de Tomar, para impor a presença do administrador repudiado e rejeitado pelos trabalhadores em plenário. Na ordem dada ao comando da GNR, Ângelo Correia [Ministro da Administração Interna] chama aos dirigentes sindicais «agitadores» e aponta uma longa lista de nomes dos trabalhadores que deviam ser impedidos (e, se necessário, presos) de entrar na empresa. A serenidade dos trabalhadores e o sentimento das forças militarizadas de que estavam a ser manobrados evitarem confrontações de consequências imprevisíveis.
Tudo indica que o MAI vai insistir no caminho da confrontação, mas os trabalhadores, de forma serena, mas firme, saberão lutar pelos seus postos de trabalho, pelas liberdades e pelos direitos que a Constituição lhes reconhece.
(...)
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP saúda e solidariza-se com a luta corajosa dos trabalhadores da Loiça de Sacavém e do Hotel Baía. São as liberdades e os direitos, no concreto, que estão em causa. São realidades de Abril que o governo AD tenta destruir.
Melhor que ninguém, serão os principais obreiros das transformações económicas e sociais realizadas - os trabalhadores- que defenderão essas realidades. Lá nas suas empresas, recebendo a solidariedade de classe, presentes nas comemorações de Abril e do 1.º de Maio, os trabalhadores da Loiça de Sacavém e do Hotel Baía são parte integrante do movimento que integra a força de combate pela democracia e que conseguirá derrubar este governo da AD. Têm razões fortes e terão capacidades suficientes para vencer.
Aplausos do PCP."
Excerto transcrito do Diário da Assembleia da República, I Série, número 74, de 16 de Abril de 1982.
© MAFLS