Memórias e Arquivos da Fábrica de Loiça de Sacavém

Junho 30 2012

 

Jarra em faiança, produzida na fábrica Lusitânia/Companhia das Fábricas Cerâmica Lusitânia, de Lisboa, com cerca de 30,8 cm. de altura, apresentando decoração floral pintada à mão sobre o vidrado.

 

O craquelé visível na imagem corresponde ao envelhecimento natural do vidrado e da pasta, decorrente da contracção e distensão desses componentes, e não a uma indução artificial desse efeito.

 

As linhas escurecidas que acentuam o efeito craquelé correspondem também às manchas decorrentes do uso, pois, como se pode observar, não se apresentam distribuídas uniformemente pela superfície da jarra.

 

A representação das flores de grandes dimensões nestas tonalidades remete claramente para a tendência decorativa da cerâmica inglesa das décadas de 1920 e 1930, nomeadamente a que corresponde à desenvolvida por Clarice Cliff (1899-1972) para a Newport Pottery, mas também a que corresponde a uma estilização floral mais complexa desenvolvida por Truda Carter (1890-1958) na Poole Pottery.

 

Vista aérea das instalações da CFCL, em Lisboa, delimitadas pela Avenida João XXI, em primeiro plano, e pela Rua do Arco do Cego, à direita.

 

Os preâmbulos dos relatórios da direcção, balanço e contas da CFCL são geralmente mais extensos que os das suas congéneres e representam um testemunho valioso sobre a situação da indústria cerâmica portuguesa nos períodos a que se referem.

 

Pelas suas características particulares e pela sua quase forma de manifesto, transcreve-se aqui a parte mais significativa do preâmbulo do relatório de 1946, que, em certas passagens, não deixa de apresentar factos curiosos face à actual situação do país.

 

"Não diminuíram as dificuldades com que a nossa indústria vem lutando desde há anos nem as formalidades que a perturbam e oneram. É certo que o transporte das matérias-primas, combustíveis e produtos se tornou mais fácil, mas não cessou ainda a inútil intervenção do Grémio dos Industriais de Cerâmica na requisição de vagões, a qual provoca grandes atrasos nos fornecimentos, graves perturbações nas obras e considerável desvio de mercadorias do caminho de ferro.

 

No que respeita a combustíveis, as dificuldades aumentaram muito e os preços também; por isso muitos dos nossos fornos se mantiveram em marcha reduzida ou tiveram mesmo de parar.

 

Os salários, ordenados e encargos correspondentes aumentaram enormemente e por vezes com condenável efeito retroactivo e sempre sem prévia aprovação dos industriais ou simples consulta, como seria necessário em problema de tal importância."

  

Vista parcial das terraplanagens para a sede da CGD e da chaminé que veio a ser integrada na envolvente do edifício.

 

"É de aceitar e até de louvar todo o esforço tendente a melhorar as condições de vida da população portuguesa, mas, para evitar perturbações e futuras dificuldades, este esforço deveria efectivar-se simultâneamente em todas as actividades e em todo o País, sem exceder nunca as possibilidades normais; por outro lado, não se justifica, e até parece erro, susceptível de causar indesejáveis perturbações na administração pública, que as actividades particulares sejam obrigadas ou se obriguem a pagar, como mínimo, salários superiores ou, pelo menos, sensivelmente superiores aos que o Estado e os corpos administrativos pagam. 

 

A indústria de cerâmica tem no País boas tradições e largas possibilidades de desenvolvimento; todavia, não avançou apreciàvelmente nos últimos seis ou sete anos e as perspectivas quanto ao futuro parecem-nos bastante sombrias. Na realidade trata-se de uma indústria pobre e que exige muita mão-de-obra, porquanto os encargos com o pessoal podem calcular-se entre 30 e 50 por cento do preço de venda dos produtos. É fora de dúvida que uma indústria como esta, de pequena cifra de vendas e ocupando numerosa mão-de-obra, não pode, sob pena de se arruinar ou tornar parasitária, pagar salários ou ordenados tão elevados como os das actividades ricas, em que o encargo com o pessoal não conta apreciàvelmente no custo da produção ou nos gastos gerais. A verdade, porém, é que a indústria de cerâmica deve ser hoje a que mais elevados salários está obrigada a pagar ao pessoal não especializado e, quanto a ordenados, está obrigada a pagar, pelo menos, o dobro do que é corrente no País." 

 

Vista do edifício sede da CFCL, na Rua do Arco do Cego, 88, em Lisboa.

 

"O aumento de preços dos produtos para poder fazer face a encargos desta natureza parece-nos erro grave, destinado a provocar muitas desilusões, algumas ruínas e perigosas perturbações. Estamos convencidos de que com os encargos actuais a indústria de cerâmica tem de resignar-se a perder os mercados externos e, em face da actividade que a concorrência estrangeira começa a desenvolver, receamos bem que venha a ser batida, em certos produtos, no mercado interno.

 

É evidente que estas inegáveis realidades têm sido ignoradas ou esquecidas e que existe entre os industriais de cerâmica certo alarme e efectivas preocupações em relação ao futuro; e, como não somos alheios a tais realidades nem a este estado de espírito, julgamos conveniente fixar que não nos cabem culpas ou responsabilidades relativamente aos factos referidos, dado que, como é bem sabido, a nossa companhia tem sido sistemàticamente mantida afastada de todas as funções gremiais dirigentes."

 

As três fotografias reproduzidas acima ilustram aspectos das instalações da CFCL, em Lisboa, nas décadas de 1970 e 1980. A imagem das terraplanagens documenta já uma das fases iniciais das obras para edificação da sede da Caixa Geral de Depósitos que, como já foi referido (http://mfls.blogs.sapo.pt/71973.html), se iniciaram em 1987.

 

Agradece-se a Carmen Monereo a cedência das mesmas, as quais foram originalmente publicadas no Boletim da CGD, número 246, de Março de 2004.

 

 

© MAFLS

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Fevereiro 06 2011

 

Corças em faiança, fabricadas na unidade de Coimbra da companhia Lusitânia (acima) e na unidade de Lisboa.

 

Fundada em 1890, em Lisboa, a fábrica Lusitânia dedicou-se inicial e essencialmente à produção de materiais de construção e revestimento.

 

A maior atenção dada pela empresa à produção de loiça utilitária e decorativa ocorreu a partir de 18 de Junho de 1920, data em que o Banco Industrial Português, Júlio Martins (Júlio do Patrocínio Martins, 1878-1922; ministro, com diferentes pastas, desde 1919 a 1921) e Augusto Tavares adquiriram a companhia aos seus anteriores proprietários e fundadores, Silvain [sic, Diário do Governo] e Marie Therèse Bessière.

 

 

A 28 de Dezembro de 1921 a Companhia da Fábrica Cerâmica Lusitânia, com sede na Rua do Arco do Cego, número 88, Lisboa, estabeleceu os seus estatutos, sendo o seu capital de 2.500.000$00 dividido em 25.000 acções de 100$00, assim distribuídas:

 

Banco Industrial Português, 1.662.000$00; Júlio Martins, 554.000$00; Augusto Tavares, 277.000$00; Francisco Santos, 1.000$00; António Lourenço Barata, 1.000$00; João Cooke Carrington, 1.000$00; Dr. Vasco Guedes de Vasconcelos, 1.000$00; Armando Luís Rodrigues, 1.000$00; Dr. Álvaro Machado, 1.000$00; e Dr. Augusto Soares, 1.000$00.

 

 

Em 1930 a companhia iniciou a construção de um forno-túnel, com alimentação contínua, em Coimbra. Em 1934, o relatório anual da empresa referia que a fábrica de Coimbra empregava 750 operários mas que não dava lucro. Nesse mesmo ano, João Cooke Carrington, accionista e director da companhia, faleceu.

 

Em 1936 a companhia adquiriu à empresa Chambers & Wall a fábrica de Massarelos, no Porto. Ainda nesse ano, a utilização do forno-túnel de Coimbra foi suspensa, devido a restrições legais, permanecendo em operação apenas os fornos intermitentes.

 

Em 1945 a companhia abandonou os planos de construir uma nova fábrica e de deslocalizar a sua fábrica de Arraiolos para outro local. Posteriormente, a empresa veio a substituir a marca CFCL pala marca LUFAPO.

 

 

Em Coimbra, a acta do municípo de 23 de Setembro de 2002 registava a prevista demolição do edíficio fabril, devido à sua acentuada degradação. A cidade, no entanto, preserva a memória da fábrica, pois a noroeste da estação ferroviária existe ainda hoje o bairro da Lufapo. 

 

Em Lisboa, o edifício da fábrica existia ainda em 1982, embora já então pertencesse à Caixa Geral de Depósitos. Acabou por ser demolido em 1988, para se construir, entre 1987 e 1993, a sede da CGD, que preservou in loco um dos fornos, e respectiva chaminé, do complexo fabril. Este conjunto foi integrado num jardim e pode hoje ser observado junto à fachada principal da CGD, na Avenida João XXI.

 

Também o arquitecto Tomás Taveira (n.1938) preservou a memória da fábrica Lusitânia, no edifício pós-modernista que projectou para o outro lado da Avenida João XXI.

 

 

© MAFLS

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