A propósito do motivo Estátua (popularmente conhecido como Cavalinho) reproduziu-se aqui, há cerca de um ano, um prato da fábrica C. & J. Shaw, de Inglaterra (cf. http://mfls.blogs.sapo.pt/53402.html), estampado num tom designado como puce, em inglês.
Colocadas perante esta cor, em Portugal, as pessoas, na sua maioria, recorreriam ao termo violeta, claro ou escuro, para a classificar, o que parece redutor se atendermos às inúmeras designações das variantes cromáticas que surgem na língua inglesa (http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_colors).
Tal preocupação é irrelevante se considerarmos que, hoje em dia, o termo puce é praticamente um arcaísmo, aplicado em inglês quase exclusivamente nas designações ligadas à decoração cerâmica ou nos restritos círculos dos fashion districts.
Mas será interessante constatarmos que estas tonalidades de puce traduzem o gosto de uma época.
Para ilustrar algumas das tonalidades abrangidas pela designação puce, mostra-se aqui uma rara jarra em porcelana Derby, do período Duesbury (1756-1811; William Duesbury I, 1725-1786, William Duesbury II, 1763-1797, William Duesbury III, 1790-?), produzida no último quartel do século XVIII.
A paisagem reproduzida, intitulada View in Westmoreland, do condado inglês homónimo, terá sido pintada pelo mais consagrado pintor paisagista da fábrica, Zachariah Boreman (1736-1810), sendo George Robertson (1776?-1833) e John Brewer (1764-1816) outros pintores conhecidos nessa área temática.
As tonalidades que envolvem a moldura dourada da paisagem são também características da decoração de algumas fábricas inglesas da segunda metade do século XVIII, como a Longton Hall (activa entre 1749 e 1760), que utilizava uma variante conhecida como crimson puce, e a Chelsea (1745-1769), adquirida pela Derby em 1770. Desta última transitou Zachariah Boreman para a Derby.
Outras variantes destas tonalidades surgiam ainda em diversas fábricas alemãs da época, tais como Frankenthal, Fulda, Fürstenberg, Höchst, Ludwigsburg e Nynphenburg, podendo portanto concluir-se serem estas tonalidades características da segunda metade desse século.
Aliás, quanto a outras cores que traduzem o gosto de uma época, sabe-se também como a preferência pelo azul na loiça estampada inglesa de finais do século XVIII e do século XIX é uma clara evocação do glamour e do prestígio da porcelana oriental decorada a azul, facto que esteve também na origem do desenvolvimento da decoração de porcelana a azul cobalto, um azul homogéneo e profundo, aperfeiçoado e celebrizado pela fábrica francesa de Sèvres.
Azul esse que a própria Fábrica de Loiça de Sacavém veio a reproduzir já no século XX, denominando-o precisamente como azul de Sèvres.
No entanto, nem sempre as tonalidades aplicadas nas artes decorativas traduzem l'air du temps, permitindo uma datação mais ou menos precisa das peças por esse método indirecto.
Acontece assim com estas duas peças em vidro opalino, provavelmente de fabricação francesa, decorado com esmalte em tons de puce já no século XIX, durante o período de transição do estilo Império para o Historismus. Aqui, no entanto, poder-se-ia já falar de púrpura e do implícito estatuto e prestígio dessa cor nos impérios da antiguidade clássica e no consulado napoleónico.
Acontece assim também com os tons alaranjados da terracota utilizados em feéricas decorações do período Art Déco, mas já anteriormente utilizados na decoração neoclássica de fábricas estrangeiras e nacionais, como, num período mais tardio, a Vista Alegre.
Acontece ainda o mesmo com o célebre rosa Pompadour, de Sèvres, criado no século XVIII para homenagear a marquesa Jeanne Antoinette Poisson (1721-1764), madame de Pompadour, mas que veio a ser utilizado com frequência já no final do século XIX, quer em peças da própria Royal Crown Derby quer da Wedgwood, como se constatará num posterior artigo.
Veja-se a página da empresa Royal Crown Derby em: http://www.royalcrownderby.co.uk/.
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